Revista Destaque In, Sacramento, junho/1998
Dimas da Cruz Oliveira
Comemorações têm sempre um caráter solene. São realizadas num vasto espaço aberto, ao som festivo das bandas, ou então acontecem num vistoso salão iluminado por lustres imponentes e mobiliado por cadeiras igualmente respeitáveis; sucedem-se os discursos, ecoam as ladainhas da eloquência durante horas intermináveis enquanto a plateia entediada lança olhares de cobiça para as iguarias dispostas nos melhores casos. Exagero? Talvez não, afinal de contas a perspectiva muda quando uma comemoração é vista "do lado de dentro", além da sua aparência brilhante.
Assim, com acento quixotesco, comemoramos o Dia Internacional da Mulher mais ou menos como se comemora o Dia do Índio acendendo fogueiras em Brasília ou o Dia da Abolição enfatizando a situação pouco lisonjeira do negro no Brasil. Falamos sobre o papel fundamental da mulher na construção da sociedade, sobre a sua função educadora e redentora, citamos famosas personalidades femininas, tecemos loas às nossas mães, irmãs, esposas, filhas... e oferecemos lindos buquês de flores a D. Lucilia. Por que D. Lucilia? Por que falamos dessa mulher singular e "comemoração viva" da condição feminina? Porque D. Lucilia surpreende a todos; ela é uma 'caixinha de surpresas' com sua inesgotável loquacidade e humor.
D. Lucilia foi nossa convidada especial e foi, ela mesma, um ponto de atração. Atração porque sua verve, sua inteligência e espírito crítico, jamais falham. Ao receber as flores, ela foi contundente: ao invés de limitar-se a um prosaico agradecimento ela declamou contra a opressão da mulher na nossa sociedade; protestou alto e bom som, contra a posição de pretensa superioridade masculina; afirmou que a comemoração deveria estender-se a todos os dias do ano e traduzir-se em gestos de colaboração, de carinho, de amor, que amenizam a dureza da vida cotidiana. Porque o dia a dia da mulher não é feito de flores e elogios, mas de terríveis provações. Entre os desempregados, os doentes, os violentados, quantas são as mulheres e quantos os homens? Numa cultura machista por tradição não é tarefa fácil libertar a mulher e elevá-la à mesma condição do homem. A situação, muitas vezes, num processo semelhante ao do racismo, é mascarada, disfarçada a fim de se evitar qualquer mudança; quem sabe até mesmo numa comemoração do Dia Internacional da Mulher, sob chancela masculina, não reflete essa situação?
Ao conhecermos D. Lucilia, sentimos que a palavra "comemoração" perde a rigidez e solenidade, e passa a correr nas nossas próprias veias.
Dimas da Cruz Oliveira é professor e mora em Sacramento (MG).