"Vou [morrer] de alma lavada. Estou feliz!"

"A herança que vou deixar são minhas idéias, que ninguém rouba, ninguém toma, ninguém compra."

Lucilia.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Lucilia, uma comunista nata e de carteirinha

 O Estado de S. Paulo, 6 de janeiro de 2008
João Domingos


Aos 95 anos e doente, ela exige enterro
em assentamento de sem-terra

Clique sobre o jornal para ler a matéria

Lucília Rosa viveu os extremos. Foi ensinada a ser comunista antes da revolução comunista russa de 1917, viu o fim da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, a derrocada do sonho socialista, mas não desistiu. Vai morrer comunista. Aos 95 anos, muito doente, mas lúcida ainda, faz sua última exigência política, a de ser enterrada num assentamento de sem-terra, em Campo Florido, cidade a 70 quilômetros de Uberaba.


A história de Lucília está sendo resgatada e será contada em livro pelo jornalista Luiz Alberto Molinar e pela historiadora Luciana Maluf Vilela. O lançamento deverá ocorrer neste mês.


Em 1947, cumprindo missão do Partido Comunista, o velho PCB, então abrigado no PSD, Lucília foi eleita vereadora de Campo Florido, com quase 20% dos votos. Sua campanha foi toda voltada para as mulheres trabalhadoras rurais. Lia para elas obras de Monteiro Lobato. E falava de uma perspectiva utópica para a época, a cidadania.

"Nasci em berço ateu. Sou comunista convicta e assim vou morrer", disse Lucília ao Estado, na casa construída por seu avô há mais de cem anos, antiga Rua Caçu, atual Alexandre Barbosa, centro de Uberaba. Seu pai, o alfaiate Calisto Rosa, era do movimento anarquista. Liderou uma greve em Uberaba em 1919 e, pouco depois, participou da fundação do PCB no Triângulo Mineiro.
Anticlerical numa cidade de predominância católica, Calisto Rosa era provocador. Arrumou um cão perdigueiro e deu-lhe o nome de Lutero, em homenagem a Martinho Lutero, o monge alemão que no século 16 se rebelou contra a venda do perdão pela cúpula da Igreja Católica e fundou o protestantismo. Quando havia uma procissão, Calisto punha o cachorro na janela, para que latisse e assustasse os fiéis passantes.

Nesse clima de confronto romântico com a Igreja Católica, o movimento comunista chamou a atenção de um padre francês de esquerda, que morou em Uberaba no início do século passado, contou Lucília. O padre fez amizade com os sindicalistas. Ao voltar à França, passou a lhes enviar exemplares do jornal comunista L'Humanitè.

Exemplares chegavam por navios. Eram distribuídos em São Paulo, nas cidades do litoral e também no interior de Minas Gerais. Um deles trouxe a letra e as partituras da Internacional Socialista, da qual os comunistas de Uberaba mal tinham ouvido falar. Músicos simpatizantes do partido gastaram semanas para interpretar aquilo e, enfim, fazer chegar ao povo os acordes do hino que durante décadas alimentou o sonho dos socialistas.

Em 1951, foi a Uberlândia participar de um protesto contra o alistamento de soldados brasileiros para a Guerra da Coréia. Houve choque com a polícia. Acabou presa. "O soldado me bateu. Queria que eu chorasse. Respondi que para ele não derramaria uma lágrima." Em 2002, já adoentada, escreveu um carta para o embaixador da Coréia do Norte. Contou que, 51 anos atrás, tinha tentado impedir a ida de soldados para combater ao lado dos Estados Unidos.

Com o segundo grau completo, idéias diferentes e avançadas para a época, tanto na política quanto no comportamento, fez um contrato legal de convivência com um homem que fora casado. Teve dois filhos - Calixto e Moyzés, ambos dentistas - e resolveu, mais uma vez, envolver-se num escândalo - fazer ligadura das trompas. A Igreja a criticou. Para Lucília, foi a glória. Arrumara encrenca com sua maior adversária. "Isso aconteceu em 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Durante a operação, o médico elogiou Hitler. Tive medo de que ele me me matasse." Na carteira de identidade, consta que Lucília é solteira.

De 1952 a 1973 ela viveu em São Paulo. Deixou os filhos em Uberaba e foi trabalhar de cozinheira para políticos, um deles, Ivete Vargas, filha de Getúlio Vargas. Sua atuação no Triângulo Mineiro chamara a atenção de Luís Carlos Prestes. Levada para a casa do líder comunista, tornou-se, principalmente, amiga de Anita Leocádia, filha de Prestes com Olga, a alemã judia que o governo de Getúlio entregou aos nazistas e foi morta na câmara de gás.

A casa onde Lucília mora está quase caindo aos pedaços. "É uma casa de comunista", disse ela. "Não tem nada." Não tem quase nada mesmo. Na sala da casa sem estuque, e com teias de aranha tomando conta de tudo, há apenas um sofá, uma mesa e uma cadeira, todos caindo aos pedaços. No seu quarto, uma TV com problemas na imagem, um ventilador que vai pifar a qualquer momento e uma cama de solteiro, com um colchão fino de espuma.

Para sua tristeza, o vizinho resolveu construir um muro bem em frente à porta da sala. Tirou-lhe a visão da rua. Além do mais, derrubou um pé de romã que iria fazer uns 50 anos. "Todo mundo que passava aqui pedia romãs. E eu as dava, porque elas fazem bem para a garganta." Para o vizinho que lhe prejudicou a vista da rua, reserva uma ameaça: "Ainda vou esganá-lo."

João Domingos é reporter especial da sucursal de Brasília (DF), onde reside. Reportagem disponível no link:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080106/not_imp104939,0.php

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Comunista triangulina é tema de livro


Correio de Uberlândia - 6/jan/2008
Agência Estado

Lucilia Rosa, de Uberaba, foi
uma defensora das trabalhoras rurais

Lucília Rosa viveu os extremos. Foi ensinada a ser comunista antes da revolução comunista russa de 1917, viu o fim da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, a derrocada do sonho socialista, mas não desistiu. Vai morrer comunista. Aos 95 anos, muito doente, mas lúcida ainda, faz sua última exigência política, a de ser enterrada num assentamento de sem-terra, em Campo Florido, cidade a 70 quilômetros de Uberaba.



A história de Lucília está sendo resgatada e será contada em livro pelo jornalista Luiz Alberto Molinar e pela historiadora Luciana Maluf Vilela. O lançamento deverá ocorrer neste mês.


Em 1947, cumprindo missão do Partido Comunista, o velho PCB, então abrigado no PSD, Lucília foi eleita vereadora de Campo Florido, com quase 20% dos votos. Sua campanha foi toda voltada para as mulheres trabalhadoras rurais. Lia para elas obras de Monteiro Lobato. E falava de uma perspectiva utópica para a época, a cidadania.


"Nasci em berço ateu. Sou comunista convicta e assim vou morrer", disse Lucília ao Estado, na casa construída por seu avô há mais de cem anos, antiga Rua Caçu, atual Alexandre Barbosa, centro de Uberaba. Seu pai, o alfaiate Calisto Rosa, era do movimento anarquista. Liderou uma greve em Uberaba em 1919 e, pouco depois, participou da fundação do PCB no Triângulo Mineiro.

Anticlerical numa cidade de predominância católica, Calisto Rosa era provocador. Arrumou um cão perdigueiro e deu-lhe o nome de Lutero, em homenagem a Martinho Lutero, o monge alemão que no século 16 se rebelou contra a venda do perdão pela cúpula da Igreja Católica e fundou o protestantismo. Quando havia uma procissão, Calisto punha o cachorro na janela, para que latisse e assustasse os fiéis passantes.

Nesse clima de confronto romântico com a Igreja Católica, o movimento comunista chamou a atenção de um padre francês de esquerda, que morou em Uberaba no início do século passado, contou Lucília. O padre fez amizade com os sindicalistas. Ao voltar à França, passou a lhes enviar exemplares do jornal comunista L'Humanitè.

Exemplares chegavam por navios. Eram distribuídos em São Paulo, nas cidades do litoral e também no interior de Minas Gerais. Um deles trouxe a letra e as partituras da Internacional Socialista, da qual os comunistas de Uberaba mal tinham ouvido falar. Músicos simpatizantes do partido gastaram semanas para interpretar aquilo e, enfim, fazer chegar ao povo os acordes do hino que durante décadas alimentou o sonho dos socialistas.

Em 1951, foi a Uberlândia participar de um protesto contra o alistamento de soldados brasileiros para a Guerra da Coréia. Houve choque com a polícia. Acabou presa. "O soldado me bateu. Queria que eu chorasse. Respondi que para ele não derramaria uma lágrima."

Atuação chamou atenção de Prestes

Em 2002, já adoentada, escreveu um carta para o embaixador da Coréia do Norte. Contou que, 51 anos atrás, tinha tentado impedir a ida de soldados para combater ao lado dos Estados Unidos.


Com o segundo grau completo, idéias diferentes e avançadas para a época, tanto na política quanto no comportamento, fez um contrato legal de convivência com um homem que fora casado. Teve dois filhos - Calixto e Moyzés, ambos dentistas - e resolveu, mais uma vez, envolver-se num escândalo - fazer ligadura das trompas. A Igreja a criticou. Para Lucília, foi a glória. Arrumara encrenca com sua maior adversária. "Isso aconteceu em 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Durante a operação, o médico elogiou Hitler. Tive medo de que ele me me matasse." Na carteira de identidade, consta que Lucília é solteira.


De 1952 a 1973 ela viveu em São Paulo. Deixou os filhos em Uberaba e foi trabalhar de cozinheira para políticos, um deles, Ivete Vargas, filha de Getúlio Vargas. Sua atuação no Triângulo Mineiro chamara a atenção de Luís Carlos Prestes. Levada para a casa do líder comunista, tornou-se, principalmente, amiga de Anita Leocádia, filha de Prestes com Olga, a alemã judia que o governo de Getúlio entregou aos nazistas e foi morta na câmara de gás.

A casa onde Lucília mora está quase caindo aos pedaços. "É uma casa de comunista", disse ela. "Não tem nada." Não tem quase nada mesmo. Na sala da casa sem estuque, e com teias de aranha tomando conta de tudo, há apenas um sofá, uma mesa e uma cadeira, todos caindo aos pedaços. No seu quarto, uma TV com problemas na imagem, um ventilador que vai pifar a qualquer momento e uma cama de solteiro, com um colchão fino de espuma.
Para sua tristeza, o vizinho resolveu construir um muro bem em frente à porta da sala. Tirou-lhe a visão da rua. Além do mais, derrubou um pé de romã que iria fazer uns 50 anos.

"Todo mundo que passava aqui pedia romãs. E eu as dava, porque elas fazem bem para a garganta." Para o vizinho que lhe prejudicou a vista da rua, reserva uma ameaça: "Ainda vou esganá-lo."


Exemplar e sonhadora

E-mail enviado a O Estado de S. Paulo - 8/jan/2008
Messias Colenghi Stival Jr.

Encantadora a reportagem relatando a vida de Lucília Rosa (6/1, A12). Sou uberabense, embora more em Franca há 17 anos, e conheci essa senhora e sua história ainda criança. Meu falecido pai, Messias, dono de uma sorveteria em frente à casa dela, e minha mãe, Cristina, dona de casa dedicada a cuidar dos filhos, aprenderam muito dos ensinamentos dessa lutadora. Assim como dona Lucília, que tem dois filhos dentistas, minha mãe também formou seus cinco filhos em odontologia. Há exatos dois anos, saímos de Franca e fomos visitar dona Lucília, fizemos fotos e filmagens dela, foi um prazer revê-la lúcida e feliz.

O interessante é que seus filhos Moyzés e Calixtinho, principalmente este último, são pessoas de despojamento material exemplar, costumam oferecer boa parte de seu ofício às pessoas sem poder aquisitivo.Quantas dentaduras já foram distribuídas, gratuitamente, pelo Calixtinho!

É claro que o livro, a ser lançado este mês, contando a história de vida de dona Lucília deve ter muito mais informações preciosas do que meia página de jornal pôde mostrar e do que uma simples carta de leitor pode relatar, mas a reportagem foi capaz de dar um aperitivo do que é a vida dessa mulher exemplar e, sobretudo, sonhadora. O mundo, certamente, seria mais igualitário se nele existissem mais e mais Lucílias.



Messias Colenghi Stival Jr. mora em Franca (SP). Disponível no link:

terça-feira, 27 de maio de 2008

Pau que nasce torto não tem jeito morre torto

Blog Janer Cristaldo, 6 de janeiro de 2008

É espantoso como, dezenove anos após a Queda do Muro, dezessete anos após o desmoronamento da União Soviética, ainda haja neste Brasil quem faça a louvação de comunistas. Um jornalista, Luiz Alberto Molinar, e uma historiadora, Luciana Maluf, devem lançar ainda este mês o hagiológio de uma velha comunista, que pretende morrer imersa no obscurantismo.

Trata-se de Lucília Rosa, que diz ter sido ensinada a ser comunista antes da revolução russa de 1917. O que é historicamente inviável. Não vivíamos em tempos de Internet naqueles dias, e a primeira célula comunista só surgiu em Santana do Livramento, em 1918, criada por anarquistas italianos que haviam aportado em Rio Grande. Os paulistanos se gabam - como se louvável fosse gabar-se da humana estupidez - de que o Partido Comunista tenha nascido em 1922, em São Paulo. Não é verdade. O obscurantismo tem origens gaúchas.

“Nasci em berço ateu. Sou comunista convicta e assim vou morrer”, disse Lucília em entrevista concedida hoje a O Estado de S. Paulo. A moça, em seus 95 anos, dá a entender que ser comunista é decorrência de ser ateu. Ora, ateus tínhamos desde os tempos bíblicos, e ser ateu, em princípio, nada tem a ver com ser comunista.

Os comunistas, aliás, acabaram revelando-se extremamente religiosos. Muitos escritores do século passado denunciaram o marxismo como uma religião laica. Ao azar, cito Nikos Kazantzakis. Para o místico cretense, havia na Rússia um exército fanático, implacável, onipotente, constituído de milhões de seres, que tinha em mãos milhões de crianças e as instruía como bem entendia. Esse exército, continua Kazantzakis, tinha seu Evangelho, O Capital.

Seu profeta, Lênin, e seus apóstolos fanatizados que pregavam a Boa Nova através do mundo. Esse exército possuía também seus mártires e heróis, seus dogmas, seus padres apologistas, escolásticos e pregadores, seus sínodos, hierarquia, liturgia e mesmo a excomunhão: "somos contemporâneos deste grande momento em que nasce uma nova religião".


Lucília Rosa, sedizente atéia, não parece ter percebido isto em seu climatério. Longa é a jornada de um imbecil até o entendimento. A casa onde Lucília mora – diz a reportagem – está quase caindo aos pedaços.

“É uma casa de comunista”, disse ela. “Não tem nada”. Não tem quase nada mesmo. Na sala da casa sem estuque, e com teias de aranha tomando conta de tudo, há apenas um sofá, uma mesa e uma cadeira, todos caindo aos pedaços. No seu quarto, uma TV com problemas na imagem, um ventilador que vai pifar a qualquer momento e uma cama de solteiro, com um colchão fino de espuma”.

Lucília Rosa não entendeu o espírito da coisa. Comunistas, hoje, vivem em magníficos apartamentos e gozam de régias pensões. Seja como for, o que espanta é que ainda escritores cultivem como heróis pessoas que passaram pela vida e da vida nada viram.


Blog Janer Cristaldo é escritor e jornalista. Mora em São Paulo.  http://cristaldo.blogspot.com/2008_01_01_archive.html

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Lucilia: 95 anos e comunista

Mineiríssima, blog da Vera Coutinho, 23/1/2008

Reportagem de João Domingos no Estadão,revela o perfil comunista de Lucília Rosa,que mora em Uberaba:Foi ensinada a ser comunista antes da revolução comunista russa de 1917, viu o fim da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, a derrocada do sonho socialista, mas não desistiu.

Aos 95 anos, muito doente, mas lúcida ainda, faz sua última exigência política, a de ser enterrada num assentamento de sem-terra, em Campo Florido, próximo de Uberaba."Nasci em berço ateu. Sou comunista e assim vou morrer".

Na casa construída por seu avô há mais de cem anos, antiga Rua Caçu, atual Alexandre Barbosa, centro de Uberaba."É uma casa de comunista", disse ela. "Não tem nada." Não tem quase nada mesmo. Na sala da casa sem estuque, e comteias de aranha tomando conta de tudo, há apenas um sofá, uma mesa e uma cadeira, todos caindo aos pedaços.

domingo, 18 de maio de 2008

Entre o medo e a esperança


Jornal Revelação, Uberaba, 2002
Gilberto Lacerda Rodrigues



Dona Lucilia nasceu em Uberaba, numa casa próxima ao mercado central, na rua Sete de Abril, em 1912. Filha de alfaiate e neta de comandante. Ao lembrar-se que o avô era comandante começa a rir: "Naquele tempo, se é novo não vai lembrar, mas naquele tempo, o povo trabalhava das tripa coração de sol a sol só pra poder comprar uma comenda do governo. Tinha as mais baratas, que é a que o meu avô comprou, a de comandante, e tinha as mais caras, como a de coronel. Aqui em Uberaba essas famílias todas são descendente de coronel de araque." As comendas davam um certo status as famílias, uma nobreza paga.

Lucilia não fala muito do seu falecido marido. Prefere falar de Marx, do qual se confessa devota. A bíblia que carrega debaixo do braço, é a obra que inspirou a revolução bolchevique, o famoso "Capital" de Karl Marx. No final da década de 30 e início da década de 40,(...)Dona Lucília, temia que o ditador, exilasse o "verdadeiro" comunista brasileiro, Luis Carlos Prestes, do qual ela foi cozinheira. Até hoje Lucilia troca cartas com a filha de Prestes com Olga Benário, nascida num campo de concentração nazista. As injustiças que presenciou durante o governo Vargas, motivaram Lucilia a entrar na vida pública. Em 1947 elege-se vereadora. Com orgulho lembra que foi a primeira mulher a ser eleita em Minas Gerais.

Aos noventa anos a comunista Dona Lucila continua incansável. Seu corpo miúdo e franzino contrasta com os grandes e pesados sacos que leva nas costas. Dentro, copos descartáveis que cata em frente aos bares da cidade. Na sua labuta diária, recolhe também sacos plásticos e papeis. Uma vez por semana segue rumo a cidade de Campo Florido. Não vai visitar nenhum parente de sangue. Vai sim visitar os que ela chama de colegas idealistas.

As famílias do Movimento dos Sem Terra se alegram ao ver a doce senhora trazendo os preciosos presentes. Numa das sacolas os copos descartáveis que substituem os de ferro. Nesse período de seca não conseguem água para lavá-los, por isso os descartáveis são tão valorizados. Os papeis trazidos noutro saco servem como papel higiênico. Dona Lucilia se irrita quando tentam lhe agradecer. Não faz em troca de mimos ou agradecimentos, faz por um ideal que nutre há quase 80 anos. Se sensibiliza ao ver as dificuldades dos sem terra. Como comunista se vê na obrigação de auxiliar as classes mais oprimidas: "Cê precisa vê meu filho, a alegria deles quando me vê. Sabem que estou trazendo algo pra eles. Pro cê vê como são esses capitalistas, o povo lá passando dificuldade e ninguém ajuda. Eu que não tenho nada, arrumo um jeito de levar umas coisinhas pra amenizar a dor dessa gente. Capitalista é tudo egoísta filho.Tem jeito não."


O resultado das eleições agradou muito dona Lucilia. Geni não gostou muito. Lula ganhou com folga em todo o Brasil. Em Uberaba, terra conservadora no que diz respeito a política, a vantagem do candidato petista surpreende pois supera os grandes centros. Para cada voto de Serra, Lula teve três. Cerca de 75,2% dos eleitores uberabenses que foram as urnas escolheram o petista para governar o país. O candidato derrotado José Serra teve 24,8% dos votos válidos.A expectativa em torno de um governo de esquerda no Brasil é grande. Os mais conservadores, como dona Geni, temem um governo comunista ultra radical. Por outro lado há aqueles que acreditam num pais mais igualitário e justo como dona Lucilia.

Dona Lucilia acredita que tudo vai melhorar com a entrada de Lula na presidência. Ela acredita que finalmente o seu sonho de um Brasil comunista vai se realizar.

Questionada sobre o novo Lula "paz e amor", ela desconversa: "Pra chegar no poder tem que ter jogo de cintura, filho. Aqui o povo é muito quieto pra acontecer uma revolução como aquela da Rússia. Tem que ter jeitinho. E o Lula tem. Ele vai acabar com a mamata daqueles senadores e deputados que ganham rios de dinheiro enquanto o aposentado ganha salário mínimo. Tem que deixar os salários deles igual a minha aposentadoria. O capitalismo tá morrendo. O enterro vai ser muito difícil. E o nascimento do socialismo é um parto, um parto demorado, sacrificado, judiado, mas ele vai nascer. Em termos de parto, nós mulheres que parimos é que sabemos, uns partos são mais rápidos outros menos, mas pra parir uma coisa nova, bonita, bem feita e bem acabada não é fácil não".

Gilberto Lacerda Rodrigues era estudante de jornalismo. http://www.revelacaoonline.uniube.br/a2002/geral/medo.html

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Há 71 anos...


7/5/1937: Julgamento principal dos rebeldes de 1935. Prestes é condenado a 16 anos de prisão. Em vão o advogado Sobral Pinto invoca até a Lei de Proteção dos Animais para protestar contra os maus-tratos dos réus.
Foto: Luís Carlos Prestes preso, com jornalista chileno José Joaquim Silva (à sua direita) e o capitão Orlando Leite Ribeiro, Casa de Correção en Rio de Janeiro, 1941.