"Vou [morrer] de alma lavada. Estou feliz!"

"A herança que vou deixar são minhas idéias, que ninguém rouba, ninguém toma, ninguém compra."

Lucilia.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Pau que nasce torto não tem jeito morre torto

Blog Janer Cristaldo, 6 de janeiro de 2008

É espantoso como, dezenove anos após a Queda do Muro, dezessete anos após o desmoronamento da União Soviética, ainda haja neste Brasil quem faça a louvação de comunistas. Um jornalista, Luiz Alberto Molinar, e uma historiadora, Luciana Maluf, devem lançar ainda este mês o hagiológio de uma velha comunista, que pretende morrer imersa no obscurantismo.

Trata-se de Lucília Rosa, que diz ter sido ensinada a ser comunista antes da revolução russa de 1917. O que é historicamente inviável. Não vivíamos em tempos de Internet naqueles dias, e a primeira célula comunista só surgiu em Santana do Livramento, em 1918, criada por anarquistas italianos que haviam aportado em Rio Grande. Os paulistanos se gabam - como se louvável fosse gabar-se da humana estupidez - de que o Partido Comunista tenha nascido em 1922, em São Paulo. Não é verdade. O obscurantismo tem origens gaúchas.

“Nasci em berço ateu. Sou comunista convicta e assim vou morrer”, disse Lucília em entrevista concedida hoje a O Estado de S. Paulo. A moça, em seus 95 anos, dá a entender que ser comunista é decorrência de ser ateu. Ora, ateus tínhamos desde os tempos bíblicos, e ser ateu, em princípio, nada tem a ver com ser comunista.

Os comunistas, aliás, acabaram revelando-se extremamente religiosos. Muitos escritores do século passado denunciaram o marxismo como uma religião laica. Ao azar, cito Nikos Kazantzakis. Para o místico cretense, havia na Rússia um exército fanático, implacável, onipotente, constituído de milhões de seres, que tinha em mãos milhões de crianças e as instruía como bem entendia. Esse exército, continua Kazantzakis, tinha seu Evangelho, O Capital.

Seu profeta, Lênin, e seus apóstolos fanatizados que pregavam a Boa Nova através do mundo. Esse exército possuía também seus mártires e heróis, seus dogmas, seus padres apologistas, escolásticos e pregadores, seus sínodos, hierarquia, liturgia e mesmo a excomunhão: "somos contemporâneos deste grande momento em que nasce uma nova religião".


Lucília Rosa, sedizente atéia, não parece ter percebido isto em seu climatério. Longa é a jornada de um imbecil até o entendimento. A casa onde Lucília mora – diz a reportagem – está quase caindo aos pedaços.

“É uma casa de comunista”, disse ela. “Não tem nada”. Não tem quase nada mesmo. Na sala da casa sem estuque, e com teias de aranha tomando conta de tudo, há apenas um sofá, uma mesa e uma cadeira, todos caindo aos pedaços. No seu quarto, uma TV com problemas na imagem, um ventilador que vai pifar a qualquer momento e uma cama de solteiro, com um colchão fino de espuma”.

Lucília Rosa não entendeu o espírito da coisa. Comunistas, hoje, vivem em magníficos apartamentos e gozam de régias pensões. Seja como for, o que espanta é que ainda escritores cultivem como heróis pessoas que passaram pela vida e da vida nada viram.


Blog Janer Cristaldo é escritor e jornalista. Mora em São Paulo.  http://cristaldo.blogspot.com/2008_01_01_archive.html

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