"Vou [morrer] de alma lavada. Estou feliz!"

"A herança que vou deixar são minhas idéias, que ninguém rouba, ninguém toma, ninguém compra."

Lucilia.

domingo, 18 de maio de 2008

Entre o medo e a esperança


Jornal Revelação, Uberaba, 2002
Gilberto Lacerda Rodrigues



Dona Lucilia nasceu em Uberaba, numa casa próxima ao mercado central, na rua Sete de Abril, em 1912. Filha de alfaiate e neta de comandante. Ao lembrar-se que o avô era comandante começa a rir: "Naquele tempo, se é novo não vai lembrar, mas naquele tempo, o povo trabalhava das tripa coração de sol a sol só pra poder comprar uma comenda do governo. Tinha as mais baratas, que é a que o meu avô comprou, a de comandante, e tinha as mais caras, como a de coronel. Aqui em Uberaba essas famílias todas são descendente de coronel de araque." As comendas davam um certo status as famílias, uma nobreza paga.

Lucilia não fala muito do seu falecido marido. Prefere falar de Marx, do qual se confessa devota. A bíblia que carrega debaixo do braço, é a obra que inspirou a revolução bolchevique, o famoso "Capital" de Karl Marx. No final da década de 30 e início da década de 40,(...)Dona Lucília, temia que o ditador, exilasse o "verdadeiro" comunista brasileiro, Luis Carlos Prestes, do qual ela foi cozinheira. Até hoje Lucilia troca cartas com a filha de Prestes com Olga Benário, nascida num campo de concentração nazista. As injustiças que presenciou durante o governo Vargas, motivaram Lucilia a entrar na vida pública. Em 1947 elege-se vereadora. Com orgulho lembra que foi a primeira mulher a ser eleita em Minas Gerais.

Aos noventa anos a comunista Dona Lucila continua incansável. Seu corpo miúdo e franzino contrasta com os grandes e pesados sacos que leva nas costas. Dentro, copos descartáveis que cata em frente aos bares da cidade. Na sua labuta diária, recolhe também sacos plásticos e papeis. Uma vez por semana segue rumo a cidade de Campo Florido. Não vai visitar nenhum parente de sangue. Vai sim visitar os que ela chama de colegas idealistas.

As famílias do Movimento dos Sem Terra se alegram ao ver a doce senhora trazendo os preciosos presentes. Numa das sacolas os copos descartáveis que substituem os de ferro. Nesse período de seca não conseguem água para lavá-los, por isso os descartáveis são tão valorizados. Os papeis trazidos noutro saco servem como papel higiênico. Dona Lucilia se irrita quando tentam lhe agradecer. Não faz em troca de mimos ou agradecimentos, faz por um ideal que nutre há quase 80 anos. Se sensibiliza ao ver as dificuldades dos sem terra. Como comunista se vê na obrigação de auxiliar as classes mais oprimidas: "Cê precisa vê meu filho, a alegria deles quando me vê. Sabem que estou trazendo algo pra eles. Pro cê vê como são esses capitalistas, o povo lá passando dificuldade e ninguém ajuda. Eu que não tenho nada, arrumo um jeito de levar umas coisinhas pra amenizar a dor dessa gente. Capitalista é tudo egoísta filho.Tem jeito não."


O resultado das eleições agradou muito dona Lucilia. Geni não gostou muito. Lula ganhou com folga em todo o Brasil. Em Uberaba, terra conservadora no que diz respeito a política, a vantagem do candidato petista surpreende pois supera os grandes centros. Para cada voto de Serra, Lula teve três. Cerca de 75,2% dos eleitores uberabenses que foram as urnas escolheram o petista para governar o país. O candidato derrotado José Serra teve 24,8% dos votos válidos.A expectativa em torno de um governo de esquerda no Brasil é grande. Os mais conservadores, como dona Geni, temem um governo comunista ultra radical. Por outro lado há aqueles que acreditam num pais mais igualitário e justo como dona Lucilia.

Dona Lucilia acredita que tudo vai melhorar com a entrada de Lula na presidência. Ela acredita que finalmente o seu sonho de um Brasil comunista vai se realizar.

Questionada sobre o novo Lula "paz e amor", ela desconversa: "Pra chegar no poder tem que ter jogo de cintura, filho. Aqui o povo é muito quieto pra acontecer uma revolução como aquela da Rússia. Tem que ter jeitinho. E o Lula tem. Ele vai acabar com a mamata daqueles senadores e deputados que ganham rios de dinheiro enquanto o aposentado ganha salário mínimo. Tem que deixar os salários deles igual a minha aposentadoria. O capitalismo tá morrendo. O enterro vai ser muito difícil. E o nascimento do socialismo é um parto, um parto demorado, sacrificado, judiado, mas ele vai nascer. Em termos de parto, nós mulheres que parimos é que sabemos, uns partos são mais rápidos outros menos, mas pra parir uma coisa nova, bonita, bem feita e bem acabada não é fácil não".

Gilberto Lacerda Rodrigues era estudante de jornalismo. http://www.revelacaoonline.uniube.br/a2002/geral/medo.html

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