Luiz Alberto Molinar
Lucilia Rosa, aos 35 anos, foi uma das 16 primeiras vereadoras eleitas, em Minas. Ela é de Uberaba, mas morava em Campo Florido {70km de Uberaba}, onde conquistou, em 1947, uma cadeira da Câmara Municipal. Foi escolhida pelo PSD, porém era militante do PCB (Partido Comunista do Brasil) desde os 18 anos, quando filiou-se e foi batizada como "Lucrécia", seu "nome de guerra".
Ousou e enfrentou preconceitos ao ligar as trompas, em 1939, depois de ter dois filhos. Essa operação somente realizava-se na Europa. Foi presa duas vezes. Em 1949, ao cuspir no rosto do delegado, em Campo Florido. Ficou detida por 13 dias ao participar de manifestação contra o envio de jovens brasileiros para a Guerra na Coreia. Foi em 1951, em Uberlândia. Morou, em São Paulo, durante 15 anos, de 1958 a 1972, quando trabalhou como doméstica, entre outras patroas, para a deputada federal Ivete Vargas (PTB), sobrinha do presidente Getúlio Vargas, que conseguiu-lhe emprego na Caixa Econômica e nos Correios. Rejeitou e manteve-se na profissão que possibilitou-lhe as formaturas, em odontologia, dos dois filhos.
Ela chegou aos 97 anos, em agosto de 2009, e tem memória extraordinária. Possui um acervo rico de documentos, entre eles, correspondências que manteve com Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB entre os anos de 1930 e 1980, e com Anita Leocádia, filha dele com Olga Benário, morta em campo de concentração nazista, na Alemanha. Lucilia mantém contato permanente com ela há mais de 30 anos. Moraram juntas durante dois anos e meio, entre 70 e 72, clandestinamente, durante os mais sangrentos da ditadura militar, em São Paulo. Passava-se por tia de "Alice Nascimento", codinome de Anita. Residiu também, durante três meses em 1962, com a família de Prestes, a quem ajudava a cuidar de seis dos sete filhos.
Sua vida vai ser registrada em livro: Lucilia - Rosa Vermelha. O projeto de pesquisa sobre sua história surgiu durante visita do presidente da Câmara de vereadores de Uberaba, Lourival dos Santos (PC do B), a ela. Estava, em 2006, com a saúde debilitada após 25 dias em coma. Ao ser indagada sobre seu sonho, disse que gostaria de ter sua trajetória publicada em livro. A partir daí a diretora de Comunicação do Legislativo, Evacira de Coraspe, coordena o trabalho desenvolvido pela historiadora Luciana Maluf Vilela e pelo jornalista Luiz Alberto Molinar. A obra, que será lançada em 2009, vai revelar a personalidade, os caminhos de Lucilia, de libertários, anarquistas, socialistas. Enfim, a origem dos movimentos populares e de seus protagonistas, em Uberaba e região, desde o final do século 19 até 2000.
Luiz Alberto Molinar é jornalista e mora em Uberaba (MG).
Não acompanhei as lutas, as vicissitudes, ou mesmo as vitórias de Lucilia, a Rosa Vermelha. Conheci-a dona de idéias contagiantes e lembranças ímpares... encontrei a Lucilia de dedo em riste, memória prodigiosa, alterando a voz quando pergunta: - você sabe o que é ser comunista, minha filha? A Rosa de letra trêmula, dos óculos na ponta do nariz maltratado... impossibilitada de realizar seu derradeiro sonho, mudar-se para o acampamento que faz parte da brigada que leva seu nome. A mulher que conheci é guerreira, lamenta não ter contagiado a todos os que passaram pela sua vida com o seu ideal libertário... é enérgica em muitos momentos, mas em outros tantos emociona-se com a saudade de tempos passados... é vivaz e lúcida Lucilia... que se agita frente ao tímido médico que lhe afere a pressão (de menina!), ou tenta, inutilmente verificar-lhe ‘as vistas’: “- só preciso de lentes novas doutor, pra voltar a ler”... Ela gosta de Jamelão e de escutar notícias, e contar histórias e encontrar pessoas, e reavivar a chama que lhe aquece o peito e não dispensa uma prosa boa com que lhe doa um tempinho... Lucilia é exemplo, de fé, de esperança, e de que é preciso pouco pra mudar a própria vida... necessita-se apenas de disposição e coragem!
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