"Vou [morrer] de alma lavada. Estou feliz!"

"A herança que vou deixar são minhas idéias, que ninguém rouba, ninguém toma, ninguém compra."

Lucilia.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Jovem Lucilia (I)

Jornal da Manhã, Uberaba, 17/dez/2004
Livro Perfis especiais - feitos e méritos, 2009
João Eurípedes Sabino


No último dia 12/12/04, fiz uma visita que posso denominar inesquecível. Conheci Lucilia Soares Rosa, aliás, um desejo e uma dívida que tenho nutrido de longa data. Trata-se de um ser que, por sua lucidez e descortino mentais, desponta na frente de milhares da sua geração. São noventa e dois anos e quatro meses bem iniciados em 09/08/1912.

Contive-me várias vezes diante do turbilhão de informações claríssimas e detalhadas daquela que conviveu com Luiz Carlos Prestes, o grande Capitão. Orgulha-se em citar frases textuais de Karl Marx, Lênin, Prestes e outros destacados comunistas. Dizer-se uma revolucionária e de berço ateu é status que lhe toca o coração. Com o dedo indicador direito à fronte e olhar compenetrado, pausadamente, sem que eu o provocasse, acentuou palavras suas do tipo: - “O regime capitalista infunde medo até nos donos do próprio regime.” “Basta a paz entremear os seres, para sermos felizes”. “A História conta que tudo tende a desaparecer”. “Bush e outros líderes do mesmo estilo são doentes mentais.” “Dentro do sistema há que se ter um título, senão vira-se um João-Ninguém”. “O negro, por ter esta condição, deve demonstrar sua igualdade andando dentro dos trilhos.” “O sem-terra deve ter um comportamento irrepreensível”. “A religião é um engodo; o sistema exige que todos sejam enganados”.

A eloquência de Lucilia (ela parece conter em si uma jovem de 20 anos) não me permitiu anotar tudo. Acabei por ouvi-la... ouvi-la..., com a promessa de novos encontros. Vereadora em Campo Florido – gestão 1947 a 1951 – declara que só alcançou tal cargo devido à deposição de Getúlio Vargas – o “Bandidão”. “Ditadores tiraram um ditador, para voltar no dia 31 de março de 1964.” Sentenciou Lucilia. A eterna guerreira – ou memória política viva – rechaçou com ironia o que lhe disseram: - “Você é a reencarnação de Tiradentes”. Risos e... “Ora, só porque algo me fumega por dentro, sou a Tiradentes?”. Ah!!! Mais Risos.

Dois itens comentou demoradamente: 1) – Foi caseira de Anita Prestes, filha de Carlos Prestes. 2) – Tem um folheto a ela dedicado pelo grande Capitão, relíquia que não dá, não empresta e já está endereçada a um amigo, após a sua partida. Ali como modesto ouvinte, recebi mais uma página de sua memorável aula.

Quando lhe indaguei sobre políticos atuais, ouvi: - “Tudo está como antes; eles, os ideólogos, sabem dourar a pílula”, numa referência a Duda Mendonça. “Galinha esperta canta longe de onde botou o ovo”, referências ao marketing mentiroso. “Não vá atrás da cotovia que canta lindo. Ao se caçada, revela ser apenas um minúsculo passarinho”. Aí um ensinamento sobre o engano das aparências. “P... velha não acredita em amores”. Precisa de mais, leitor? Numa guinada rumo a fatos aqui ocorridos, a grande anfitriã lembrou com riqueza de detalhes o pistoleiro Aníbal Vieira (de Barretos ou Olímpia/SP), morto numa emboscada na Fazenda de Pedro Fidélis. O oficial, Capitão Altino, descarregou-lhe um fuzil 1908 quando dormia numa rede. Em um jornal – Gazeta de Uberaba – na Rua Artur Machado (calçadão) uma pessoa conhecidíssima matou um grande amigo, por ter errado o alvo.

Doca, o Orlando Ferreira, autor de “Terra Madrasta”, “O Pântano Sagrado” e outras obras, não saía de sua casa. Mostrou-se até o lugar onde aquele “inconveniente para o sistema de então” gostava de se sentar.

Pedi-lhe uma mensagem e ela foi enfática: - “Das pessoas devemos absorver as partes boas e criar uma coisa nova”.

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